06 outubro, 2009

H.

Ela odiava quando diziam que ela havia mudado muito. Um julgamento equivocado decerto. Ela continuava a mesma garotona de sempre: drogas, álcool e muita irresponsabilidade; ela preferia deixar a música de lado. Ali, sim, ele havia mudado, e como. - Mas foram apenas os gostos musicais - ela dizia para si mesma talvez tentando se iludir enquanto aplicava mais um pico no seu braço e sorria com a doce picada provocada pela agulha. Essa dor era boa, boa para caralho. Ela deitou-se no chão e ficou a observar o teto esperando o iminente efeito da heroína. O seu teto estava coberto de posters incrivemente psicodélicos de bandas dos anos 70 e 80, que, fracamente iluminados pela luminária, ficavam apenas mais bizarros. "Boas músicas", ela pensava sorrindo, enquanto percorria com os olhos os nomes das bandas, "muito boas músicas". E então, o tão esperado pico: sonolência, conforto, calor e euforia, mas principalmente calor, aquele calor humano, bom. Ela fechou os olhos, não se sentia bem, assim, fazia um bom tempo. Mas isso não importava, não agora, e era isso que ela tinha, esse agora. Ela dormiu agarrada a uns discos jogados na chão, a baba escorrendo pelo canto da boca e caindo em cima do carpete. Caralho, mas que sono bom! Acordou com o som da campainha. Quem haveria de ser tão inconveniente? Abriu a porta; do outro lado, um garoto. Um belo garoto. Sim, sim, ele era belo, e como era... Moreno, cabelo espetado, olhos azuis, lindos, uma boca desenhada perfeitamente e um leve odor de um perfume conhecido, seria? Não. Cheiro único, original. Tão logo ela abriu a porta, percebeu: estava com a blusa dos jogos do seu antigo colégio, e uma calcinha. Que constrangedor... E então um pensamento perspassou sua cabeça, fazendo a sorrir e parecer símpatica, ainda que isso fosse totalmente improvável: "bom, pelo menos eu estou com essa blusa". Ele sorriu de volta e adentrou o recinto, deixado-a pasma e espalhando seu odor único pelo apartamento. - Ele tem atitude - sorriu ela, fechando a porta. Ela podia sentir seu coração batendo fortemente e uma vontade estranha subindo pelo seu corpo, anunciando o que então viria. - Mas antes - ela repetiu para si mesma, sentindo uma pontada de vergonha e prazer - só mais um pico... Só mais um...

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